Atividade
física e sáude pública
Com a introdução de novas tecnologias o homem
moderno transformou-se. Se em um passado não tão distante ele era um indivíduo
do campo, sendo fisicamente ativo, com as ondas migratórias para as grandes
cidades passou a adotar um estilo de vida urbano, com um comportamento
tipicamente sedentário.
Estudos epidemiológicos1,2 realizados
em países do Hemisfério Norte explicitam uma realidade que parece não ser
diferente em nosso meio. Os dados encontrados demonstraram existir maior
prevalência na prática de atividades físicas entre as camadas mais
privilegiadas da população. Estudos subseqüentes3,4 sugerem que
a freqüência na prática de exercícios tenha aumentado nos últimos 20 anos,
embora tal aumento não tenha sido verificado de modo uniforme em todos os
estratos sociais da população, permanecendo a assertiva de que os menos
abastados exercitam-se menos.
No final da década de 70, Duncan et al.5 realizaram
um estudo observacional representativo da população adulta de Porto Alegre. Os
autores constataram que, na faixa etária entre 20 e 39 anos, apenas 40% dos
homens e 10% das mulheres se exercitavam regularmente. Cabe salientar que, com
o aumento na idade, os percentuais de indivíduos fisicamente ativos reduziam-se
significativamente. Tal achado reflete uma realidade perigosa do ponto de vista
de saúde pública, uma vez que estudos clínicos e epidemiológicos demonstram
existir evidências relacionando o sedentarismo com diferentes doenças que
afetam o homem contemporâneo1-4.
Por outro lado, a grande maioria dos estudos
realizados com o objetivo de determinar o papel da atividade física em relação
à saúde demonstrou que a prática de exercícios regulares em bases crônicas
aponta para um benefício real. Genericamente, um efeito protetor contra doenças
crônico-degenerativas, especialmente as de origem cardiovascular, pode ser
esperado.
PREVENÇÃO
Existem evidências de que ao exercitar-se o
indivíduo assume uma postura positiva em relação a outros fatores de risco,
procurando assumir um hábito de vida mais saudável. Logo, ao engajar-se em um
programa de atividade física, exercitando-se de forma regular, o praticante
passa a dispor de um aliado. Isso pode ser mencionado, uma vez que existe uma
relação inversa entre a prática de exercícios físicos e diferentes hábitos não
recomendáveis em se tratando de saúde. O exercício pode ter um impacto sobre o
tabagismo, sobre a ingesta calórica inadequada, sobre o estresse exagerado,
além de poder atuar sobre a dependência de álcool e de drogas psicoativas.
Estudos prospectivos3,6 sugerem que
exista uma relação inversa entre o nível de atividade física e os índices de
morbimortalidade cardiovascular em pessoas assintomáticas. Em estudo clássico
realizado no final da década de 70, Paffenbarger et al.6 observaram
um grupo de ex-alunos da Universidade de Harvard, tendo acompanhado esses
sujeitos por um período de tempo que variou de seis a dez anos. Os autores
constataram que aqueles indivíduos que apresentavam menor índice de atividade
física laboral ou nas horas de lazer tinham maior risco para uma primeira
manifestação isquêmica. Mais recentemente, 10.224 homens e 3.120 mulheres foram
seguidos por Blair et al.3. Nesse estudo longitudinal
que durou cerca de oito anos, os autores puderam observar que os indivíduos com
menor capacidade funcional na entrada apresentaram mortalidade subseqüente
maior. Portanto, todos esses trabalhos têm o mérito de reforçar a associação
entre a atividade física regular e a prevenção de doenças isquêmicas do coração
em populações aparentemente sadias. No que diz respeito à prevenção secundária
da doença isquêmica do miocárdio, metanálises realizadas no final da década de
807,8 sugerem que os programas de reabilitação cardíaca podem
exercer um papel benéfico na redução de eventos, pois parece haver diminuição
na mortalidade cardiovascular global, além de ocorrer diminuição importante no
risco de morte súbita nessa população de cardiopatas. Entretanto, embora exista
uma tendência favorável, a medicina embasada em evidências aguarda novos
estudos, em que um grande número de pacientes possa ser arrolado e seguido por
um longo período. Somente através de estudos bem delineados, como são os
ensaios clínicos randomizados, multicêntricos controlados, os achados oriundos
das metanálises supracitadas poderão ser definitivamente incorporados como
verdades científicas concretas.
Muitos pesquisadores sugerem que o exercício físico
regular seja capaz de ter impacto significativo sobre a prevenção e/ou controle
da hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus não
insulino-dependente, dislipidemia, obesidade, osteoporose, asma brônquica e
outras doenças pulmonares, além de poder diminuir sintomas depressivos e de
ansiedade. No entanto, é importante frisar que a prática de exercícios também
possui seus riscos. Traumas mecânicos, alterações metabólicas, além de
problemas psicológicos, podem advir da atividade física realizada de forma
inadequada. O supertreinamento, assim como esforços vigorosos realizados por
pessoas não aptas, pode resultar em verdadeiras catástrofes.
A ocorrência de morte súbita relacionada com os
esforços também tem sido observada, principalmente em praticantes de exercícios
aeróbios de longa duração. Portanto, embora o exercício seja considerado um
fator de proteção para a doença arterial coronária, ele não "imuniza"
o indivíduo contra tal enfermidade. Logo, cabe salientar que, se a atividade
física intensa tem o potencial de aumentar transitoriamente o risco de morte
súbita, a atividade física realizada de forma regular compensa esta
possibilidade, o que se traduz em redução do risco global para morte súbita9.
RECOMENDAÇÕES GLOBAIS PARA A PRÁTICA DE EXERCÍCIOS
Na prática, recomenda-se que todo e qualquer
programa de exercício inicie com um período maior ou menor de adaptação, já que
toda experiência nova requer aclimatação gradual. Um período variável entre uma
e quatro semanas costuma ser suficiente. É por demais importante que a escolha
do tipo de atividade física a ser desenvolvida seja feito de acordo com o gosto
do participante. Dessa forma, ao serem respeitados os princípios da adaptação e
da individualidade biológica, a aderência à prática regular e crônica da
atividade física passa a ser facilitada. A intensidade recomendada deve variar,
no mais das vezes, entre 60 e 85% da freqüência cardíaca máxima prevista para
idade (calcula-se FC máxima em batimentos por minuto como sendo 220 menos a
idade). Na prática, pode-se utilizar a escala de percepção do esforço de Borg10 ou
simplesmente procurar exercitar-se de forma que o indivíduo se sinta algo
fatigado, mas não exausto. Para determinados tipos de atividades, como a
caminhada ou a corrida, o uso do "teste da conversa" pode servir como
bom parâmetro. Exercitar-se em intensidade que permita conversação, mesmo que
uma leve dispnéia esteja presente, dá uma idéia subjetiva do grau leve a
moderado do esforço.
Até poucos anos atrás preconizava-se que, para fins
de promoção de saúde, a atividade física deveria ser obrigatoriamente de
caráter contínuo11. Sessões três a cinco vezes por semana, com
duração variável entre 20 e 60 minutos, faziam parte da maioria das prescrições
de exercício. Hoje em dia recomenda-se que toda criança e todo adulto ocupem 30
minutos ou mais do seu dia em atividades físicas de intensidade moderada.
Atividades intermitentes, sejam elas de caráter ocupacional, tarefas do
dia-a-dia ou ainda realizadas no lazer, fornecem benefício cardiovascular
significativo12. Por exemplo, 15 minutos de atividades aeróbias em
um determinado período do dia acrescidos de outros 15 minutos em outro horário
ao longo das mesmas 24 horas parecem ser adequados em se tratando de prevenção
primária12.
Diferentes estudos11,12 sugerem que
as atividades rítmicas aeróbias e/ou antigravitacionais, em que a contração de
grandes grupos musculares está presente, são aquelas que trazem os maiores
benefícios. Exercícios como caminhada, corrida, ciclismo, natação,
hidroginástica, futebol, tênis, voleibol e basquete são exemplos dignos de
nota.
ORIENTAÇÕES MÉDICAS PARA PRÁTICA DA ATIVIDADE
FÍSICA
Para que os benefícios da prática de exercícios
sejam otimizados e os riscos diminuídos, recomenda-se avaliação médica prévia
ao início do programa. Para os indivíduos assintomáticos, anamnese cuidadosa e
exame físico abrangente costumam ser inicialmente suficientes. Já naquelas
pessoas com sinais e/ou sintomas que sugerem possível doença cardíaca, o
encaminhamento ao cardiologista, para avaliação mais detalhada, é recomendável.
O eletrocardiograma de esforço, a ergoespirometria, o ecocardiograma, entre
outros exames, podem fornecer informações importantes na decisão clínica sobre
que tipo de programa de exercício deva ser seguido ou se contra-indicações para
a prática de exercícios se impõem. Se, porventura, ocorrerem sinais ou sintomas
que sugiram doença cardiovascular ou de outro sistema orgânico ao longo do
programa de exercícios, aconselha-se a interrupção na atividade física e
imediata investigação médica.
As contra-indicações absolutas para prática de
atividades físicas do ponto de vista cardiovascular são: estenose aórtica ou
pulmonar moderada a grave, a cardiomiopatia hipertrófica com gradiente
importante na via de saída do ventrículo esquerdo, incluindo-se aí suas
variantes, as arritmias cardíacas avançadas e de mau prognóstico, os bloqueios
cardíacos de alto grau não "protegidos" por marcapasso, a
insuficiência cardíaca descompensada, a miocardite e a insuficiência coronária
instável. São contra-indicações temporárias as infecções agudas, a DPOC,
o diabetes mellitus e a hipertensão arterial, quando
descompensados.
No que diz respeito ao paciente hipertenso, este
pode ter benefício com a prática de exercícios aeróbios (isotônicos). No
entanto, até a presente data, não existe um consenso a respeito do impacto da
execução de exercícios isométricos nesses pacientes. Logo, a recomendação atual
é de que exercícios com tais características não devam ser prescritos para esse
subgrupo de pacientes até que surjam evidências mais claras de que seus
benefícios suplantem os riscos13,14.
A RESPONSABILIDADE DO MÉDICO NAS INFORMAÇÕES SOBRE
ATIVIDADE FÍSICA PARA A POPULAÇÃO
Para que uma política de saúde seja efetiva é
fundamental que se criem medidas abrangentes com o intuito de diminuir o
impacto negativo dos diferentes fatores de risco sobre a sociedade. Em se
tratando de combate ao sedentarismo, a idéia vigente é de que um aumento
moderado nos níveis de atividade física dos indivíduos sedentários parece ter
repercussão significativa sobre a qualidade da saúde da sociedade como um todo.
Dessa forma, é muito importante que o agente de
saúde recomende, encoraje, oriente e sirva como facilitador para que um estilo
de vida mais ativo seja adotado. O esclarecimento de crianças e jovens deve ser
priorizado, uma vez que a intervenção nesses períodos da vida sedimentam
hábitos que serão levados para o futuro. Além disso, é possível que, quando
adultos, esses jovens venham a servir como multiplicadores de hábitos
adquiridos previamente, atuando direta e/ou indiretamente contra o
sedentarismo.
A mensagem de que a prática de exercícios regulares
é saudável e benéfica para o corpo e para mente deve ser sistematicamente
dirigida para todas as pessoas. Ao organizarem campanhas públicas, as
associações e entidades da área da saúde almejam que os índices de atividade
física da população atinjam um patamar mínimo e que o exercício físico regular
e continuado se estabeleça como uma norma social. Nesse aspecto, os meios de
comunicação exercem um papel muito importante na divulgação de tais campanhas,
alastrando a informação de que a promoção de saúde através da prevenção pode
ser "o melhor remédio".
Logo, para que a prática de atividades físicas em
bases regulares possa ser assumida como uma regra, não servindo apenas para
privilegiar grupos sociais mais esclarecidos e diferenciados economicamente,
devemos criar condições factíveis e práticas para que a globalização do
exercício se torne uma realidade preventiva em termos de saúde pública.
A educação física em todas as escolas deve servir
como uma fonte fomentadora do hábito, sendo ministrada de forma criativa e
motivadora. Cabe salientar que os custos para tal ação não necessitam ser
elevados, sendo este aspecto fundamental, uma vez que vivemos em um país onde
os recursos são escassos ou não disponíveis com facilidade.
Nas atividades comunitárias, ênfase para práticas
orientadas para adultos podem ser dadas. Podemos citar como exemplo o intervalo
para o café ou para o cigarro que costuma ocorrer entre um turno e outro de
trabalho em diversas empresas de nosso país. Em vez de tomar café ou fumar, o
trabalhador poderá ser muito beneficiado ao ser exposto, de forma orientada, a
um programa de atividade física em seu local de trabalho.
Por fim, o processo organizado de exposição ao
exercício, além de possibilitar a aquisição do gosto pelas atividades que
movimentem o corpo, é um potencial redutor de fatores de riscos, sendo um
elemento que também pode ter um impacto positivo sobre a mente, sendo,
portanto, indicado para todas as pessoas, salvo naquelas situações clínicas especiais
em que se prove em contrário.
REFERÊNCIAS
1. La Porte RE, Adams LL, Cook T, et al.
Cardiovascular disease and health: an epidemiologic perspective. Am J
Epidemiolol 1984;120:507-17.
[ Links ]
2. Diversos autores. Public health aspects of
physical activity and exercise. Public Health Rep 1985;100:18-224.
[ Links ]
3. Blair SN, Kohl HW, Barlow CE, et al. Changes in
physical fitness and all-cause mortality. A prospective study of healthy and
unhealthy men. JAMA 1995;273:1093-8.
[ Links ]
4. Ekelund LG, Haskell WL, Sheps DS, et al.
Physical fitness as a predictor of cardiovascular mortality in asymptomatic
North American men. The Lipid Research Clinics Mortality Follow-up Study. N Engl
J Med 1988;319:1379-84.
[ Links ]
5. Araújo CGSD, Araújo DSMSD. Exercício e saúde
(vol I-VII Guia de Estudo). 2ª ed. Brasília: Secretaria de Educação Física e
Desportos, Ministério da Educação, 1986.
[ Links ]
6. Paffenbarger RS, Wing AL, Hyde RT. Physical
activity as an index of heart attack risk in college alumni. Am J Epidemiolol
1978;108:161.
[ Links ]
7. Oldridge NB, Guyatt GH, Rimm AA, et al. Cardiac
rehabilitation after myocardial infarction. Combined experience of randomized
clinical trials. JAMA 1988;260:945-50.
[ Links ]
8. O'Connor GT, Buring JE, Yusuf S, et al. An
overview of randomized trials of rehabilitation with exercise after myocardial
infarction. Circulation 1989;80:234-44.
[ Links ]
9. Franklin BA, Blair SN, Van Camp SP, et al.
Exercise and cardiac complication. Do the benefits outweigh the risks?
Physician Sports Med 1994;22:56-8.
[ Links ]
10. Borg G. Perceived exertion as an indicator of
somatic stress. Scand J Rehabil Med 1970;2:92-8. [ Links ]
11. Ward A, Malloy P, Rippe J. Orientação para
prescrição de exercícios para as populações normal e cardíaca. In: Hanson P.
Clínicas cardiológicas: Exercícios e o coração. Philadelphia: WB Saunders,
1987;5:199. [ Links ]
12. Diversos autores. Physical Activity and
Cardiovascular Health. NIH Consensus Conference. JAMA 1996;276:241-6.
[ Links ]
13. American College of Sports Medicine. Position
Stand. Physical activity, physical fitness and hypertension. Med Sci Sports
Exerc 1993;25: i-x.
[ Links ]
14. Waib PH, Burini RC. Efeitos do condicionamento
físico aeróbio no controle da pressão arterial. Arq Bras Cardiol 1995;64:243-6.
[ Links ]